Oi pessoal!
17º dia de viagem: Vasa, barco, frio, PEG, pérolas, tesouro, barroco, ritmo brasileiro, cópia, estrela do norte, exibicionismo, teste de resistência, Nobel, PUB, mercadão, ópera, arte moderna, praga.
Meu segundo dia em Stockholm foi um pouco diferente do primeiro. O tempo estava bem feio, cheio de nuvens no céu e com previsão de chuva. Pelo menos, a temperatura estava mais agradável. Eu já esperava por isso, assim deixei para visitar alguns dos muitos museus da cidade (Stockholm tem uma lista de museus muito bons, suficientes para vários dias chuvosos).
Como meu tempo não era tão abundante, tive que fazer uma seleção bem rigorosa dos museus que visitaria, levando em conta, além do conteúdo em si, sua extensão. Foi por esse critério que acabei não visitando o famoso Nordiska Museet, museu dedicado à história dos países nórdicos que fica em um belíssimo prédio. Felizmente, ele fica bem perto do Vasamuseet, por isso ao menos pude apreciar parte externa da construção.
O Vasamuseet foi o primeiro museu que visitei neste dia. Cheguei lá poucos minutos antes de abrir, por isso pude andar com certa tranquilidade no início. Este foi o museu de que mais gostei em Stockholm, e também um dos mais exóticos a que já fui. Ele é dedicado a um navio de guerra do século XVII, o Vasa, que nunca chegou a participar de uma guerra, pois afundou em sua viagem de inauguração.
Foi em meados do século XX que Anders Franzén localizou, depois de anos de trabalho (e de ter mapeado o arquipélago), o navio naufragado nas proximidades de Stockholm. A subida foi gradual e bem estudada, para minimizar danos à sua estrutura, e depois de dois anos, ele estava de volta à superfície. Seu último trajeto, até o local onde foi construído o Vasamuseet, foi até transmitido pela TV.
Sua restauração foi um outro megadesafio. A madeira estava toda impregnada de água, mas se esta fosse retirada, a estrutura do barco ficaria comprometida. Por isso, foi utilizada uma técnica de secagem a frio, enquanto PEG (poli-etileno-glicol) era borrifado para substituir a água da madeira. O processo durou 17 anos, durante os quais os pesquisadores trabalharam para resolver o quebra-cabeças da montagem do barco. Enfim, em 1990, o museu abriu ao público exibindo um barco supostamente 95% igual ao original. O resultado é impressionante.
O barco é enorme, com quase 70 m de comprimento, mais de 50 m de altura (com mastros) e 64 canhões, podendo abrigar 450 pessoas (150 da tripulação e 300 soldados). Mas o Vasa não era apenas um navio de guerra. Ele era uma obra de arte, com belas esculturas em madeira decorando sua popa. Isso tudo para mostrar às outras nações quão poderosa era a Suécia.
O museu possui vários andares, sendo possível chegar bem perto de várias partes do barco. Em cada um deles, há exposições com temas diversos, como a construção, restauração, sociedade da época e também um filme resumindo os fatos acerca do Vasa. Para os mais afortunados, é possível organizar um banquete no museu. Só não se deve esquecer de levar um agasalho, pois lá dentro faz bastante frio! E para os fotógrafos, não esqueçam de um tripé, pois dentro do museu é muito escuro!
Do Vasamuseet segui para o Kungliga slottet, onde eu faria uma visita guiada. Infelizmente, não é permitido fotografar em seu interior, por isso não poderei ilustrar o que contarei para vocês. Antes de visitar o palácio propriamente dito, contudo, fui à parte que guarda o Tesouro real, que inclui, principalmente, coroas e espadas de antigos monarcas. As peças são muito bonitas, variando do simples ao mais ostentoso, e incluem, por exemplo, as joias do famoso Vasa (eu disse que ele seria bastante mencionado). O lugar é pequeno e a entrada está inclusa em vários dos bilhetes de acesso ao palácio, por isso a visita é muito recomendada.
A visita guiada passa pelos principais ambientes do palácio, contando sua história e também curiosidades. Acredita-se que o palácio original já existia no século X, mas somente com Gustav Vasa, no século XVI, que o Tre Kronor (nome do antigo palácio, referência às coroas dinamarquesa, norueguesa e sueca) passou a servir como residência oficial da família real. Durante os séculos que seguiram, o poder da Suécia foi aumentando, e como forma de ostentação foi planejada uma reforma em estilo barroco. Poucos anos depois de iniciados os trabalhos, em 1697, ocorreu um grade incêndio e praticamente toda a ala antiga do castelo (o Tre Kronor) foi destruída. Tessin, o arquiteto responsável pelo projeto, apresentou novos desenhos para a reconstrução do palácio, em estilo barroco.
Inicialmente prevista para ser entregue em 5 anos, a família real só conseguiu mudar-se de volta 60 anos mais tarde (familiar?). No final, algumas das salas acabaram por não ser decoradas no estilo barroco originalmente previsto, mas sim em uma variação sua, o rococó. Vários elementos do castelo foram copiados de Versailles, como uma sala muito parecida com a Galerie des Glaces (Galeria dos Espelhos). Tive a impressão de que os suecos tinham alguma obsessão pela concorrência com os franceses, porque além da galeria, há uma referência interessante à Estrela Polar, símbolo da monarquia sueca. De acordo com a guia, o motivo da escolha é simples: ao contrário do sol (símbolo de Louis XIV), que se põe todos os dias, a Estrela Polar está sempre no céu, em seu auge.
Além da sala dos espelhos, destacam-se a Rikssalen (Salão de Estado), a Slottskyrkan (Capela Real), os Ordenssalarna (Apartamentos das Ordens da Cavalaria) e o salão de bailes.
Das curiosidades apresentadas, achei duas muito interessantes. A primeira é sobre o salão de bailes mencionado acima. Em duas ocasiões, soldados reais foram convocados pelo rei para testar a resistência do chão, pois festas importantes ocorreriam lá. A primeira foi na virada do milênio, quando supostamente os reis ficaram dançando até altas horas, e a segunda foi para o recente casamento real. Para simular o efeito de pessoas dançando, os soldados foram simplesmente ordenados para ficar saltitando no salão. A cena deve ter sido hilária.
A segunda curiosidade foi acerca da vida dos monarcas à época da reinauguração do palácio. Parece que o rei gostava muito de chamar atenção, por isso convidava pessoas da nobreza para assisti-lo durante suas atividades do dia-a-dia, como comer (lembrando que apenas ele comia e que cada refeição durava horas), trocar de roupa, dormir (de acordo com a guia, ele dormia de verdade em outro quarto, mais confortável, e poucos minutos antes de o despertador oficial tocar, ele ia para a cama mais bonita e fingia estar dormindo) e até para acontecimentos mais raros, como nascimento de herdeiros (enquanto sua esposa sofria, ele e seus convidados comiam, bebiam e se divertiam). Pelo que tenho visto em filmes, este foi mais um costume copiado da monarquia francesa.
Depois da visita do palácio, fui ao Museu de Antiguidades de Gustav III, que fica em outra ala do Kungliga slottet. Bem modesto, ele é formado por duas galerias com cerca de 200 estátuas. Mas o que chama mais atenção é o fato de ele ser um dos museus mais antigos da Europa, criado em 1794. Meu museu favorito, o Musée du Louvre (vai que alguém esqueceu), abriu suas portas em 1793.
Terminada a visita do Kungliga slottet, fui para a vizinha Storkyrkan, a principal igreja da cidade. É uma igreja muito bonita, com tijolos à vista e alguns detalhes como o coro dourado, uma bela estátua de São Jorge e o altar preto-prata muito bonitos. No dia, havia também uma exposição temporária de algum artista, que espalhara "pérolas" gigantes pela igreja. Além disso, é lá que ocorrem os casamentos reais e coroações de monarcas suecos.
Saindo da Storkyrkan, deparei-me com a troca da guarda, que ocorre nas redondezas do Kungliga slottet. Havia bastante gente e começava a cair uma garoa chata, por isso desisti de assistir e resolvi continuar meu tour pela cidade. Mais tarde eu me arrependi dessa decisão, pois acabei esquecendo de ir lá vê-la no dia seguinte, meu último em Stockholm.
Eu aproveitei a tarde na região de Norrmalm, começando pela Adolf Fredriks kyrka, mais uma igreja tipicamente nórdica, onde foi originalmente enterrado René Descartes (que descobrir estar hoje na Abbaye de Saint-Germain-des-Prés, em Paris). Encontra-se lá a tumba do ex-primeiro ministro sueco Olof Palme, assassinado em Stockholm em 1986 na saída de um cinema (em um daqueles raríssimos crimes que ficara na memória do país).
Durante minha caminhada, passei por um local bem interessante, uma espécie de rua-túnel apenas para pedestres, construída sob as escadarias que levam às entradas de casas mais altas (vejam a foto abaixo).
Um dos maiores destaques da região é a Hötorget (Praça do Feno), onde há uma feira de segunda a sábado e um mercado de pulgas aos domingos. Na praça encontram-se três lugares culturalmente importantes em Stockholm, a começar pelo Hötorgethallen, um mercado de especiarias (e outras coisas, como salas de cinema). Fica lá também a loja de departamentos PUB, onde trabalhou a estrela do cinema Greta Garbo. Mas a construção culturalmente mais importante é a Konserthuset (Sala de Concertos), onde ocorre, além de concertos, a entrega dos Prêmios Nobel (com exceção do Nobel da Paz, entregue em Oslo). O prédio em si, a meu ver, não é bonito. É basicamente um paralelepípedo azul com colunas neo-clássicas (eu diria quase modernas). Mas como abriga um evento mundialmente importante, acaba por impressionar.
Na sequência, fui conhecer a Stadsbiblioteket (Biblioteca Municipal), que fica em um agradável parque. Aproveitei para descansar e comer um pouco, sob o sol que enfim resolveu aparecer. Recomendo bastante a visita do parque, um dos poucos em Stockholm (em uma cidade tão cheia de árvores e próxima da água, quase não se sente falta de parques), pela área verde, pelas estátuas e, claro, pelo belo prédio da biblioteca.
Outro ponto alto de Norrmalm é o Kungsträdgården (Jardim do Rei), que começa às margens do lago Mälaren (não sei se comentei, mas oficialmente Stockholm fica às margens de um lago, e não do mar) e avança uns quatro quarteirões para dentro do bairro. É um ponto de encontro para a população e está bastante em alta na vida cultural da cidade. Atrai muita gente no ano todo, seja para sua pista de patinação, para ver as flores de cerejeiras ou ainda para tomar sol deitado na grama. E as casas ao redor são muito bonitas, harmoniosas e coloridas.
Ao lado do Kungsträdgården fica a Sankt Jacobs kyrka (Igreja de Santiago), uma modesta igreja vermelha, e a Gustav Adolfs torg, praça com uma estátua equestre do rei Gustav II Adolf, que não consegui fotografar por causa de trabalhadores desmontando uma espécie de palco. Lá fica também a Kungliga Operan (Ópera Real), uma construção que impressiona mais que a Konserthuset, mas ainda assim fica atrás de concorrentes de outros países europeus (a começar pelos franceses - ok, o Palais Garnier é difícil de bater).
Para finalizar o dia, fui visitar o Moderna Museet, que fica em Skeppsholmen, perto de meu albergue. Para quem gosta de arte moderna ou apenas de arte, vale bastante a pena. Há obras de artistas célebres como Dalí, Picasso, Matisse e Wahrol. Como o foco é arte moderna, e não contemporânea, o número de obras bizarras é relativamente pequeno. Gostei bastante de uma exposição temporária com telas com mensagens diversas, que vocês podem ver melhor em meu álbum Picasa. Voltei para o albergue, jantei e, enquanto organizava minhas notas e meus folhetos, conheci mais um francês perdido no norte. Ele vinha de Chamonix (existem pessoas que nascem em Chamonix!) e cursava engenharia genética em Annecy (bela cidade, a propósito). E ele não seria o último.
Tschüss!!!